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Argentina chegou à final da Copa, mas precisa mudar muito o futebol local
Desde que a Alemanha goleou o Brasil por 7 a 1, as análises começaram a pipocar e parece não haver segredos sobre o que colocou a equipe na final da Copa do Mundo. Depois de anos parado no tempo, o país resolveu se mexer após não passar nem da primeira fase da Eurocopa de 2004 e reformulou todo o seu futebol a partir das categorias de base para recolher os frutos a médio prazo
Mas o futebol está muito longe de ser uma ciência exata.
Do outro lado do campo neste domingo, no Maracanã, estará um país que é praticamente a antítese de tudo isso que os alemães construíram nos últimos anos, com uma das mais retrógradas federações do mundo no comando. Nada de planejamento ou de uma categoria de base bem estruturada. Nada de clubes superpotentes e saudáveis. A Argentina chega à decisão do Mundial com um futebol deficitário, desorganizado e com direito até à intervenção governamental, que acabou por estatizar o campeonato local.
O futebol argentino começou a entrar em declínio ainda na década de 90, de braços dados também com a economia local. Mal administrados e com o país também quebrado, quase todos os clubes entraram em um caos financeiro do qual nunca se recuperaram.
Isso gerou um impacto imediato na gestão dos novos talentos. Se já não conseguiam competir com a Europa na oferta de salários, os times argentinos passaram a perder a disputa também para brasileiros e até para mexicanos. Os melhores jogadores passaram a sair do país cada vez mais jovens, tentando compensar a crise financeira de cada equipe. Os clubes passaram a ser formados dentro de campo por atletas cada vez mais medianos ou em fim de carreira.
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Argentina, de Centurión, deu vexame no Sul-Americano sub-20
Assim como a Alemanha, as categorias de base também passaram por um processo de mudança. Mas para pior. "Antes dizíamos que levantávamos uma pedra e achávamos um jogador bom. Hoje isso não existe mais. Até pensamento de ganhar como seja, não importa como", resume o jornalista argentino Federico Russo, apresentador do Mundo Leo.
O resultado disso tudo em campo é mais do que claro. Nas categorias de base, a Argentina conseguiu formar duas ótimas gerações e ganhou as Olimpíadas de 2004 e 2008. Mas foi só isso. Em 2005, o país nem se classificou para o Mundial sub-17. Em 2009, não foi para o Mundial sub-20. E em 2013 fez ainda mais feio: jogando em casa não passou nem pela primeira fase do Sul-Americano sub-20, ficando mais uma vez fora do Mundial da categoria.
E no profissional, o cenário não é tão diferente. Não por menos a Argentina não ganha um título desde a Copa América de 1993.
Entre os clubes o sucesso também parou. Desde o título do Boca Juniors em 2003, nenhum outro argentino conseguiu ser campeão do mundo. Na Libertadores também foram só mais duas taças, em 2007, do próprio Boca, e em 2009, do Estudiantes. A mística da dificuldade de se enfrentar um clube argentino parece cada vez menos.
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Gigante River acabou rebaixado em 2011
Muito por conta do insucesso dos gigantes do país. Dos sete maiores clubes do país, dois (River Plate e Independiente) foram rebaixados os últimos anos e outros dois ficaram muito perto disso (Racing e San Lorenzo). O Rosario Central, que tem boa torcida no país, também acabou rebaixado. E isso porque o rebaixamento na Argentina é feito justamente para sempre salvar os gigantes, com uma média de pontos de três anos para decidir quem cai. Ou seja: é preciso ir muito mal por três temporadas seguidas para acabar na segunda divisão.
O período também foi propício para o surgimento de equipes até então sem muita expressão no cenário nacional. Banfield, Lanús e Arsenal - o time dos Grondonas, os comandantes do futebol local - conseguiram ser campeões pela primeira vez no país. No cenário continental, porém, esse ‘novos grandes' deram papelões. O Tigre, por exemplo, foi vice-campeão nacional e depois ‘fugiu' da final da Copa Sul-Americana diante do São Paulo.
E o problema maior é que o passo dado para tentar mudar só complicou ainda mais a situação. Desde 2009, o governo lançou o programa ‘Fútbol para todos'. Estava oficializada ali a estatização do futebol nacional. O Campeonato Argentino saiu das mãos da TV particular - e por assinatura - e foi para as televisões públicas. O futebol deixou de ser apenas um esporte e passou a ser também uma plataforma política. O intervalo das partidas, por exemplo, só tem propagandas do governo. No final do ano passado, os resultados do projeto foram anunciados: os investimentos foram duas vezes maior do que o combinado - dinheiro de contribuintes.
Futebol argentino tem interferência do governo da presidenta Cristina Kirchner
Outro exemplo da politicagem é o que aconteceu em 2013. O jornalista Jorge Lanata, do Canal Trece, passou a incomodar o governo com seu programa Periodismo para Todos (PPT) aos domingos à noite, com críticas à política kirchnerista e picos de 30 pontos de audiência. A resposta veio com a bola. O governo alterou o horário de início da última partida do dia de 20h30 para 21h30, exigindo sempre que ou Boca Juniors ou River Plate estivesse em campo. A medida, claro, atrapalhou a vida dos torcedores para ir aos estádios, mas diminuiu a audiência do PPT.
O governo também decidiu inovar nas competições. Primeiro resolveu recriar a Copa da Argentina, e a competição não vingou muito bem. Basta ver que Deportivo Merlo e Estudiantes de Buenos Aires, clubes nanicos, chegaram às semifinais. Também criou o Supercampeonato Argentino, uma espécie de final em jogo único entre os campeões de cada turno. Os torcedores preferiram abraçar às tradições e também não dão a importância esperada para a ‘superdecisão'.
Futebol em família
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Julio Humberto Grondona ao lado de Ricardo Teixeira
O futebol argentino é famoso por ter em seu comando uma só família, há mais 30 anos. Foi em 1979 que Julio Humberto Grondona assumiu pela primeira vez a presidência da AFA, a federação de futebol do país. De lá até aqui, foram sete reeleições, sendo a última em 2011, com duração até 2015.
Durante todo esse período, mais de uma vez, o dirigente teve de se explicar sobre denúncias de corrupção e outras fraudes.
Além de ocupar o mais alto cargo da entidade, ele também é vice e diretor de finanças da Fifa, um dos poucos sul-americanos que restaram no quadro diretório de Joseph Blatter. No ano passado, no entanto, Julio anunciou que não se candidatará mais para seu posto.
O cartola começou no futebol com a fundação de um clube na Argentina, o Arsenal de Sarandi, do qual foi presidente durante anos e agora tem um de seus filhos como seu sucessor, Julio Ricardo Grondona - ele faz parte também da delegação que veio ao Brasil com o time para a Copa do Mundo.
Mas a família ainda não acabou. Seu outro filho, o mais velho, com nome de Humberto Grondona (sem o Julio, não se confunda!), comanda o futebol de base do país. Antes técnico do sub-17, o herdeiro passou a ser treinador também do sub-20, no qual se mantém até hoje - ele também está no Brasil, com o restante de sua família, e chegou até a tomar algumas páginas de jornais depois de alguns ingressos com seu nome terem sido encontrados nas mãos de revendedores.
fonte espn
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